A Legitimidade da FIFA/CBF para Regulamentar a Atividade de Agenciamento no Futebol Brasileiro

A crescente relevância da atividade de agenciamento de atletas e treinadores, especialmente diante das novas regras instituídas pela FIFA por meio do FIFA Football Agent Regulations (FFAR), tem despertado debates importantes quanto à sua legitimidade para impor normas com impacto direto sobre relações jurídicas em âmbito nacional.

De início, é necessário compreender o escopo de aplicação do FFAR. O regulamento estabelece, em seu artigo 2º (Scope), que sua incidência se dá sobre todas as atividades de agenciamento com dimensão internacional, abrangendo tanto representações contratuais ligadas a transações internacionais quanto condutas relacionadas a transferências entre federações distintas, independentemente da nacionalidade das partes envolvidas.

Dessa forma, ainda que um contrato seja celebrado entre um agente e um jogador brasileiro, caso haja vínculo com uma negociação internacional, o FFAR poderá ser aplicado, o que gera inevitável tensionamento com o ordenamento jurídico brasileiro.

Para analisar a legitimidade da FIFA para regulamentar a atividade de agenciamento, é imprescindível recorrer à própria Constituição Federal de 1988. O artigo 217, inciso I, dispõe:

“Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento.”

Tal disposição é reconhecida como um dos fundamentos do sistema esportivo nacional. O conceito de autonomia das entidades desportivas, frequentemente associado à noção de lex sportiva, permite que tais entidades organizem e disciplinem internamente suas atividades, desde que respeitados os limites legais e constitucionais.

Assim, sob uma perspectiva geral e internacional, a FIFA é considerada legítima para editar normas relacionadas à organização do futebol mundial, incluindo a atividade dos agentes, o que é reforçado por documentos oficiais da entidade que sustentam tal competência com base no seu papel de reguladora do sistema internacional de transferências e contratações de atletas.

Entretanto, há limites para essa autonomia. O agenciamento de jogadores e treinadores não constitui uma atividade intrinsecamente esportiva, mas sim uma atividade conexa de natureza econômica, relacionada sobretudo ao mercado de transferências. Por isso, sua regulação não pode ser compreendida como inerente à organização e funcionamento das entidades esportivas no sentido estrito do artigo 217 da CRFB.

Diante disso, surge a indagação: quem, no Brasil, possui competência para normatizar a profissão de agente esportivo?

A resposta foi parcialmente endereçada com a entrada em vigor da Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023). A norma introduziu importantes diretrizes sobre o tema. O artigo 95 assim estabelece:

“Art. 95. Entende-se por agente esportivo a pessoa natural ou jurídica que exerce a atividade de intermediação na celebração de contratos esportivos e no agenciamento de carreiras de atletas.
(…)
§ 2º A atuação de intermediação, de representação e de agenciamento esportivo submete-se às regras e aos regulamentos próprios de cada organização de administração esportiva e à legislação internacional das federações internacionais esportivas.”

Com base nessa disposição, observa-se que a nova legislação confere às entidades de administração do esporte, como a CBF e a própria FIFA, competência normativa sobre a atividade de agentes. O dispositivo é claro ao submeter a atuação dos intermediários tanto à regulamentação nacional quanto às normas internacionais pertinentes.

Dessa forma, nos termos da legislação brasileira atualmente vigente, é possível afirmar que a FIFA possui legitimidade para regulamentar a atividade dos agentes de futebol, desde que o exercício de tal poder normativo não infrinja princípios constitucionais e normas de ordem pública do direito brasileiro.

Créditos Imagem: FIFA

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Hudson Paiva Jr.

Advogado especialista em negócios no esporte e Direito Esportivo pelo CEDIN, membro do IBDD e da Comissão de Direito Desportivo da OAB/MG e pesquisador da SBDD.

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