Introdução
No contexto do futebol brasileiro, os agentes/intermediários desempenham papel essencial na negociação de contratos entre atletas e clubes, atuando como facilitadores e, muitas vezes, como verdadeiros gestores de carreira. Contudo, a atividade, embora fundamental, é fonte recorrente de divergências, especialmente no que tange ao pagamento das comissões devidas pelos clubes, configurando um dos principais pontos de tensão no âmbito desportivo nacional.
Quem são os intermediários?
Os intermediários, formalmente reconhecidos pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e pela FIFA, são profissionais que intermediam contratos e transações dentro do ambiente do futebol. A atividade exige registro específico e observância a princípios éticos e legais, buscando assegurar transparência e equilíbrio nas relações negociais. A CBF, por meio de regulamentos específicos, como o Regulamento Nacional de Intermediários, disciplina os requisitos para o exercício da função no Brasil.
A Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD)
A CNRD foi instituída pela CBF como um órgão arbitral especializado para a resolução de conflitos no âmbito do futebol. Seu objetivo é oferecer um mecanismo célere, técnico e eficaz para dirimir disputas envolvendo atletas, clubes, intermediários e demais agentes do esporte, promovendo maior segurança jurídica e a preservação do interesse coletivo da modalidade. Sua atuação se baseia no Regulamento da Câmara Nacional de Resolução de Disputas (RCNRD), que define suas competências e procedimentos.
A CNRD e as Disputas Envolvendo Intermediários
A CNRD tem se tornado fórum importante para resolver conflitos envolvendo intermediários no futebol brasileiro. Atualmente, aproximadamente 50% das demandas protocoladas na Câmara dizem respeito a esse tema, demonstrando sua importância central na dinâmica desportiva nacional.
Grande parte dessas controvérsias envolve a cobrança de comissões pelos intermediários. Isso ocorre porque é recorrente a inadimplência dos clubes quanto a esses pagamentos, configurando uma fonte significativa de litígios. Tal comportamento negligente compromete a estabilidade financeira dos agentes e pode prejudicar o andamento das negociações contratuais, gerando instabilidade no mercado esportivo.
Cabe destacar ser fato notório a insatisfação de parte dos dirigentes quanto ao pagamento de comissão para tais profissionais. Recentemente, o proprietário da SAF Cruzeiro, Pedro Lourenço, explanou publicamente seu desconforto com o pagamento de altos valores a título de comissão por agenciamento. Segundo ele[1]:
“O empresário ganha para comprar e ganha o que está vendendo. O cara não investe nenhum tostão. Esse é o melhor negócio do mundo. Os caras falam de 8, 10%. Negativo. Não dá para entender. Aí quando você está contratando, aparecem 200 que ligam, que falam e pedem comissão, falam que o jogador é dele”.
Em meio a esse contexto de crítica e pressão, a CBF chegou a editar um novo regulamento[2] que limitava os percentuais de comissão e impunha outras restrições à atuação dos intermediários. No entanto, diante de forte reação do mercado e questionamentos sobre sua legalidade e viabilidade prática, tais regras foram revogadas recentemente, restabelecendo os parâmetros anteriores e reforçando a necessidade de diálogo institucional para aprimorar a regulação do setor.
Diante desse cenário de frequente inadimplência, tensões contratuais e instabilidade regulatória, agravada por recentes tentativas de intervenção normativa frustradas, a CNRD se mostra ainda mais importante como órgão especializado para o julgamento dessas controvérsias. Sua estrutura institucional, composta por profissionais com notória especialização em direito desportivo, confere à Câmara a capacidade de analisar tecnicamente os conflitos e aplicar soluções adequadas à realidade do futebol brasileiro, promovendo maior segurança jurídica nas relações entre clubes, intermediários e atletas.
Ainda que a CNRD venha se consolidando como foro privilegiado para tais disputas, persistem demandas levadas à justiça comum, o que revela tanto a ausência de uniformidade na escolha do foro quanto a necessidade de aprimorar os mecanismos de adesão voluntária e confiança institucional. A consolidação da CNRD como instância reconhecida e respeitada no tratamento de litígios desportivos depende não apenas de sua estrutura e eficiência, mas também do fortalecimento normativo e da valorização da arbitragem especializada no ambiente esportivo.
Conclusão
A presença dos intermediários é indispensável no futebol contemporâneo, mas os frequentes casos de inadimplência dos clubes no pagamento das comissões evidenciam desafios a serem superados. A CNRD desempenha papel fundamental ao concentrar grande parte das disputas relacionadas a esses agentes, garantindo soluções especializadas e rápidas que fortalecem a segurança jurídica no esporte. Tal cenário demanda constante aprimoramento normativo e a adoção de práticas que fomentem o cumprimento das obrigações contratuais e a ética no futebol brasileiro.
[1] https://ge.globo.com/futebol/times/cruzeiro/noticia/2024/06/13/dono-do-cruzeiro-revela-propostas-de-patrocinio-e-critica-comissao-no-futebol-melhor-negocio-do-mundo.ghtml
[2] O RNAF (Regulamento Nacional de Agentes de Futebol) foi inspirado no FFAR (FIFA Football Agents Regulation) da FIFA.